sexta-feira, 9 de maio de 2008

são nossas, as perdas

Sentiu um arrepio enquanto andava pela rua. O frio cortava, não tão fundo, somente para deixar um pequeno fio de sangue. A pessoa continuou andando, tentava levantar a cabeça, mas ela continuava a cair e olhar pro chão. O capuz protegia seus pensamentos um pouco densos. Estava com um moletom. Fazia tanto frio que aquele moletom fino não a protegia em nada, e agora se culpava por isso. Esquecera também os seus fones, mas tinha medo de escutar certas músicas em situações como essas. Porque se quisesse escutá-las outra vez, lhe trazeriam lembranças ruins. Ela seguia pelas ruas que estavam iluminadas, muitas ruas tinhas suas luzes apagadas. Então ziguezagueava pela sua pequena e conhecida cidade. Talvez as luzes levassem ela até algum lugar bom. Ou talvez não, a energia elétrica tava ficando escassa, então, talvez, deviam estar economizando, não sabia. Não imaginou muito, logo se situou na alternativa de que apenas deviam ter apagado as luzes dos postes de algumas ruas para economizar. Ninguém era doido de andar em ruas assim as 2 horas da manhã, por isso o vazio. Mas nunca está vazio, sempre há uma gota. Essa gota passava frio, mas passava isso porque queria, uma penitência. Nós fazemos em nós o que nosso arrependimento diz para fazermos. Então ela se machucava, precisava disso. As suas palavras tinham machucado muito outros, ela fazia isso porque ela mesmo estava machucada. Outros machucaram ela, pessoas que ela não considerava em nada. Então, fez sofrer quem ela amava. Tudo por causa de ressentimentos guardados em suas lembranças. Eram suas lembranças. Caiu de joelhos na calçada, o poste de luz que estava em cima dela apagou. O vento era forte e levava algumas folhas de árvores (não se sabe da onde veio, porque não tinha nenhuma árvore naquela rua). Seu rosto tentava levantar e ficar quarenta e cinco graus em relação ao chão, mas não conseguia muita coisa, porque logo fechava os olhos e abaixava a cabeça. Colocou as duas mãos no chão. Não sentia mais frio, apenas pequenos vestígios daquele vento. Sua forma não era mais a mesma; sua roupa já não estava em seu corpo, estava no chão rasgada. Suas patas, firmes, no chão. Era um urso solitário, o único da sua espécie.

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