quinta-feira, 1 de maio de 2008
Fita cassete
As aves voavam no céu, enquanto sua mente estava presa em alguns problemas. Em sua mão ele tinha uma fita cassete de muitas ali jogadas no chão, onde gravava uma palavra por dia desde os seus vinte anos. Há sete anos ele dizia uma palavra por dia e no chão, cheio de fitas, estava a prova disso. Claro que não as gravava todo dia, porque tinha dias que ele ficava escutando tudo que ele tinha gravado. E esse estava sendo um dia desses. A janela aberta trazia outros ares para aquela sala e deixava cair alguns papéis perto dele, que estava sentado pensando se continuaria a escutar todas as fitas cassetes. "Quantos merda vou escutar?", pensou. As vezes, a mesma palavra se repetia dez vezes ou até mais. Se levantou, colocou a fita no mesmo gravador que as gravava e apertou play. Seguiu uma sequência de palavras e apertou pause. Andou até a janela e olhou para as pessoas que andavam na rua, todas com agasalho e algumas com cachecol. Fechou os olhos por um instante, abriu e olhou novamente para a movimentação. Era uma tarde fria, onde o sol tentava aparecer no céu, mas estava escondido atrás das nuvens. Com o gravador na mão apertou o play. Começou a ouvir novamente sua voz, quase hipnoticamente, dizer palavra por palavra. Suas íris desceu até os cantos de seus olhos, e sua visão embaçou olhando para alguns carros parados na rua. Ele ouvia todas aquelas palavras, sem nexo, que não formavam nenhuma frase. A maioria delas pareciam descrever algum dia ruim, enquanto outras mostravam uma certa neutralidade, ou até seria uma forma de tentar esconder o dia ruim para ele em seu futuro; ele não tinha força para parar a fita. A sua voz começou a se misturar em várias camadas e as palavras estavam se tornando zunidos. O chão não parecia mais ser visto do quarto andar e sua vida não parecia ter tantos anos. Sentou de costas para a janela e escorregou até poder ver o céu nublado e pedaços de prédios. Aves voavam por entre os fios elétricos e tentavam escalar os topos de cada construção. Apertou stop. Ficou parado olhando para frente. Levantou e arrumou as fitas pelo piso, fez um quadrado. E, fita por fita, gravou o quase-silêncio por cima de todas aquelas palavras. Os pássaros lá fora batiam suas asas e cantavam suas músicas. As pessoas pisavam no chão e algumas conversavam assuntos animados. O vento fazia as árvores falarem por entre suas folhas, ramos e flores. Sentado no centro da sala terminou o que determinado fez. Todas fitas já estavam dentro de uma caixa regravadas. Guardou a caixa em um armário e o gravador em uma gaveta. Colocou um cachecol e saiu pela porta da frente. A janela ficou aberta, onde o sol, ainda no frio deixou alguns de seus raios passarem, enquanto terminava sua jornada pelo céu.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
O Guilherme me mostrou esse texto agora...
Ficou realmente muito bom...
Dá até pra ouvir o "quase-silencio"
Parabéns...!
Postar um comentário